A revista Época publicou no dia 27 de abril de 2012 uma matéria sobre a carreira de Robert Kirkman, criador de The Walking Dead. Confiram a trascrição da reportagem abaixo. Agradecimentos à sobrevivente @lauraperuchi por ter indicado o link.
No começo dos anos 2000, Robert Kirkman era só mais um escritor independente de quadrinhos. Seus dias eram calmos e dedicados a criar histórias no porão de sua casa no Kentucky, interior dos Estados Unidos. Passados dez anos, sua vida ficou bem mais agitada. Ele continua a escrever, mas hoje é um autor premiado em histórias em quadrinhos. Tornou-se sócio da Image, terceira maior editora americana de HQ, e produtor executivo de The walking dead, a série de TV paga mais vista de todos os tempos nos Estados Unidos. Agencia talentos, escreve livros, produz videogames e participa de conferências onde é a estrela. “Não há um dia sem milhões de compromissos”, diz Kirkman, de 34 anos, a ÉPOCA. “Estou ficando velho. Preciso diminuir o ritmo.”
Tudo começou quando decidiu acabar com o mundo. Aos 25 anos, Kirkman já lançara três títulos na Image quando criou um gibi sobre um apocalipse zumbi. Em Os mortos-vivos, um grupo de pessoas tenta sobreviver em meio à invasão de corpos ambulantes. “Os zumbis são um veículo para contar como as pessoas reagem a situações extremas”, afirma Kirkman. “Se você faz isso enquanto um bando de monstros tenta comê-las, fica mais divertido.” O projeto de enredo sem super-heróis e desenhos em preto e branco foi recusado várias vezes pela Image. Ao ser finalmente publicado, virou um sucesso de crítica e conquistou fãs. Também chamou a atenção da Marvel, a maior editora de quadrinhos do mundo. Kirkman foi contratado para criar histórias para grandes personagens, como Capitão América e os X-Men, mas continuou publicando também na antiga editora. A Image fora criada em 1992 por artistas da Marvel que não queriam abrir mão dos direitos sobre seus personagens. Na Marvel, Kirkman seguia as ordens de seus editores e recebia como freelancer. Na Image, decidia os rumos das histórias e faturava com cada gibi vendido. As 7 mil cópias mensais da primeira edição de Os mortos-vivos se tornaram 27 mil, em 2008, e feito dele o gibi mais popular da editora. Logo Kirkman foi convidado para tornar-se um sócio, o único não fundador. “Os sócios originais quiseram deixar clara a importância dele para o sucesso da empresa e premiá-lo por isso”, diz Eric Stephenson, executivo da Image. “Kirkman ajudou a mudar a percepção de nossos quadrinhos. Outras editoras vivem da nostalgia em torno de seus personagens. Preferimos conceitos inéditos. Kirkman é ótimo nisso porque não tem medo de arriscar.”
Como sócio da Image, ele fez do estilo de trabalho independente uma filosofia. Num manifesto, convocou outros artistas a abraçar os quadrinhos autorais. Em 2010, fundou o selo Skybound para agenciar novos talentos. “Esse apoio teria me ajudado muito no começo”, diz Kirkman. “Busco pessoas empreendedoras. Nos quadrinhos, você não é só artista. Deve pensar no lado comercial, como a distribuição, e gerenciar um processo de criação.” O primeiro título da Skybound foi Witch doctor, descoberto por Kirkman na internet e lançado no ano passado. Nele, um médico resolve casos sobrenaturais com ciência e magia. Seus criadores já haviam negociado com outras editoras independentes, mas elas diziam ser arriscado lançar um novo trabalho em meio à crise econômica. “Kirkman então nos escreveu”, diz Brandon Seifert, cocriador do título. “Teríamos apoio de divulgação e distribuição e receberíamos adiantado. Ele ainda ajudaria a desenvolver a história sem tirar nossa autonomia. Foi impossível não aceitar.” As primeiras quatro edições de Witch doctor foi bem recebida pela crítica. Uma nova leva será publicada neste ano. Kirkman também promete novidades da Skybound para julho. “Além de abrir espaço para novos talentos, essa defesa apaixonada dos gibis autorais incentiva outros a seguir esse caminho”, diz Stepherson, da Image. Foi o que aconteceu recentemente, quando o escritor Brian K. Vaughn, roteirista da série Lost e autor premiado, anunciou a série de quadrinhos Saga. “Kirkman me deu coragem para tentar algo mais independente”, afirmou.
Independência é um traço de Kirkman. Seu primeiro emprego foi aos 15 anos, na fábrica de lâminas de metal de seu pai, para pagar seus gibis e bonecos de heróis. Entregou pizzas, trabalhou num supermercado e numa loja de gibis. Aprendeu até a fazer bonecos de plástico para vender. Isso permitiu que comprasse sua casa aos 19 anos. Kirkman não fez faculdade. Preferiu investir o tempo no sonho de ser escritor. Desde as primeiras publicações, mostrou-se irreverente. O título de estreia distribuído em maior escala foi Battle pope, sobre um papa alcoólatra e mulherengo, condenado por Deus. Para se redimir, ele deveria salvar São Marcos com a ajuda de Jesus Cristo e proteger o mundo de uma invasão de demônios. Mesmo quando escreve sobre super-heróis, como em Invencível, em que um adolescente lida com os poderes herdados do pai, Kirkman brinca com os clichês do gênero.
Até hoje, ele já criou nove gibis além de Os mortos-vivos. Nenhum chegou perto do sucesso dos zumbis. Com 40 mil títulos vendidos por mês, é o título mais popular do mercado sem a marca das duas maiores editoras do mercado americano, Marvel e DC. Em julho, a série Mortos-vivos chegará ao número 100. Será o primeiro título da Image não concebido por um de seus fundadores a atingir a marca. Em 2010, foi eleito a melhor série contínua pelo Eisner, o mais importante prêmio dos quadrinhos. No mesmo ano, a série ficou ainda mais popular ao ser adaptada para a TV. A ideia levou cinco anos até encontrar uma emissora disposta a bancá-la. Uma vez veiculada pela estação AMC, ganhou popularidade e uma nova temporada foi confirmada antes de a primeira terminar. A segunda leva de episódios quebrou os recordes de audiência da TV paga americana já na estreia – e fez isso de novo no encerramento. Uma terceira temporada está em produção e apresentará dois dos personagens mais populares entre os fãs dos gibis: o vilão Governador, que comanda um grupo de sobreviventes do apocalipse zumbi, e Michonne, uma ex-advogada que extermina zumbis com uma espada oriental.
Hoje, o apocalipse zumbi virou uma franquia multimídia. A coletânea das primeiras 48 edições em quadrinhos de Os mortos-vivos foi o romance gráfico mais vendido de 2011 na lista do jornal The New York Times. Em março passado, foi o sexto livro mais vendido do site Amazon. “Se Kirkman fosse um super-herói, seu nome seria Toque de Midas”, disse o jornalista George Gustines, do New York Times. Os zumbis ainda compõem o pano de fundo para um livro agora lançado no Brasil, a Ascensão do governador (Record, 364 páginas, R$ 24,30), sobre a origem do maior vilão dos quadrinhos. A continuação está em produção. Esse universo continua a crescer com o recém-lançado videogame da série.
Leia Mais: Leia o primeiro capítulo de “A Ascensão do Governador”
Kirkman credita sua imensa popularidade não aos mortos, mas aos vivos. “Gosto de mostrar as motivações e os sentimentos dos personagens. Isso faz a gente se importar com eles em meio a suas aventuras”, afirma. A fórmula foi repetida com Ladrão dos ladrões. O gibi conta a história de Conrad Paulson, um mestre em roubos que tenta abandonar o crime. Elogiado pela crítica, o título mal chegou à terceira edição e sua adaptação para a televisão já foi anunciada, também pela AMC. Kirkman diz que não há pressão para criar um novo sucesso. “Nenhum trabalho meu fará tanto sucesso quanto Os mortos-vivos. Já me conformei com isso e segui em frente”, afirma. Talvez ele não devesse estar tão certo disso. A história desse profícuo contador de histórias parece estar apenas nos primeiros capítulos.
ROBERT KIRKMAN
34 anos
Local de Nascimento: Lexington, Kentucky
Vive em: Los Angeles
Família: Casado com Sonia e pai de Peter (6 anos) e Collette (2)
Literatura
É o autor de A ascensão do governador, sobre o maior vilão da série de zumbis. Uma continuação está em produção. A coletânea de Os mortos-vivos foi o romance gráfico mais vendido de 2011 e se tornou o sexto livro mais vendido nos EUA em março deste ano.
Quadrinhos
É criador e escritor de dez títulos.
IMAGE: Em 2008, foi convidado para ser sócio da Image, a terceira maior editora de quadrinhos americana. É o único dos cinco sócios que não fundou a empresa há 20 anos.
SKYBOUND: Selo criado por Kirkman para lançar artistas independentes. A série Witch Doctor foi seu primeiro título e um sucesso de crítica.
OS MORTOS-VIVOS: O gibi sobre um mundo dominado por zumbis chegará ao número 100 em julho. Começou vendendo 7 mil cópias por mês e hoje vende 40 mil. Em 2010, ganhou um prêmio Eisner, o mais importante dos quadrinhos, como Melhor Série Contínua.
Televisão
O gibi Invencible foi adaptado pela MTV. A série The Walking Dead quebrou os recordes de audiência da TV a cabo nos Estados Unidos com sua segunda temporada. A emissora AMC adaptará o novo título de Kirkman, Ladrão dos Ladrões.
Leia mais: Thief of Thieves, a nova série em quadrinhos de Robert Kirkman.
Videogames
Acaba de ser lançada uma adaptação de Os mortos-vivos.