ATENÇÃO: Este artigo contém Spoilers do 2º episódio da 2ª Temporada de The Walking Dead: The Game – “A House Divided”
Existem diversos tipos de gamers por aí. Existe aquele que preza pela rejogabilidade, aquele que gosta que sua habilidade e coordenação sejam testadas, aquele que vive para jogar multiplayer, aquele que passa horas e horas evoluindo seu personagem pelo simples prazer de ver sua criação ficar mais forte.
Eu sou daqueles que gostam de uma boa história.
Sempre fui um fiel defensor que os jogos (e não só os digitais, mas isso não vem ao caso agora) são arte. Um tipo jovem de arte, sim, mas não menos arte por isso. O modo com que muitos desenvolvedores conseguem exprimir ideias, pontos de vista e experiências através de seus jogos, mostra que essa mídia ainda tem muito o que nos oferecer – fazendo com que ao termos nosso “avatar” naquele mundo, ao mesmo tempo nos identifiquemos mais com o personagem e nos envolvemos diretamente em suas ações, nos dando a ilusão de que nós sejamos responsáveis pela causa e efeito de seu destino. E que ilusão ótima essa é.
O segundo episódio da nova saga de Clementine é uma dessas obras de arte. Não é puro entretenimento (ainda que seja muito divertido) mas além disso é um olhar crítico de como o ser humano possui a capacidade de destruir qualquer coisa boa que possa existir. É niilista sim, é uma ideia difícil de aceitar sim, mas não menos verdadeira por isso.
Tanto é assim que a única cena quase “feliz” deste segundo episódio é aquela na qual presenciamos (e participamos) do reencontro de Clem com Kenny. E digo feliz, com certa ironia, pois (se você jogou a temporada passada) sabemos como toda a situação do grupo anterior terminou e mesmo nos melhores momentos, nunca houve algo perto de “momento feliz” ou “momento amizade pura” (com exceção do relacionamento Lee – Clementine que era mais pai e filha que outra coisa). E Kenny era um personagem que na maioria das vezes reagia de forma precipitada, apesar que o que aconteceu à sua família quebraria qualquer homem. Aqui descobrimos um Kenny diferente, porém ainda quebrado.
Mas quando o jogo nos dá a escolha em gritar seu nome ou simplesmente abraçá-lo, escolhemos (e se você não escolheu, tem o coração mais frio que eu conheço) o abraço pois sabemos que Clem merece isso, Kenny merece isso e raios, NÓS merecemos isso. É como um descanso merecido do que aconteceu no episódio anterior e do que ainda há por vir. Um respiro para tanto sofrimento.
Mas a felicidade acaba aí. Forçada a acompanhar um grupo que não confia inteiramente nela, Clementine não sabe metade da história que leva um certo desconhecido chamado Carver (dublado de forma fenomenal por Michael Madsen) a perseguir o grupo. E se quando Kenny pergunta à Clem se ela “se responsabiliza pelo grupo” no quesito de confiança, nós não sabemos muito bem o que escolher. Às vezes, o silêncio é pior que mil dedos acusadores.
Mas a situação que nos deixa mais perto de entender como a humanidade tem o poder (mesmo que inconsciente e dotada de “boas intenções”) de destruir tudo que toca é quando conhecemos Walter e seu companheiro/namorado. A filosofia de “ajudar ao próximo” de Walter é tão deslocada daquele mundo que quase antecipamos que algo iria dar errado. E quando um estranho aborda Clem e Luke numa ponte, oferecendo mantimentos e refúgio, pelo simples fato de “ser bom encontrar gente novamente”, não só os personagens, mas nós também ficamos em duvidas de aquilo é sincero. E quando as duas situações se entrelaçam, temos a certeza de que a inercia da humanidade sempre será voltada mais para a destruição do que para outra coisa. Até porque (pelas palavras de Neil Gaiman em Sandman), Destruição diz: “…deixei meu reino. As coisas ainda se criam e se destroem, mas quem é responsável por sua própria destruição são eles [o ser humano]”.
Filosofias à parte, este segundo episódio é também o debut de um personagem que promete ser um vilão frio e calculista, bem diferente dos psicopatas loucos que conhecemos (Governador e Negan). Carver é um homem que tem uma missão nobre: unir sua família. Mas não deixa de executar e torturar pessoas para isso. Sua fala mansa e ação imediata são mais aterrorizantes que qualquer tanque ou Lucille que apareça.
Porém, no que este segundo episódio nos arremata em história, pode deixar frustrado aquele jogador que deseja algo mais próximo a um puzzle de inventário como nos primeiros jogos da série. É um jogo que requer atenção e habilidade do jogador sim, porém, focada quase que exclusivamente no roteiro. O jogo aqui é responder às situações de forma à prosseguir com a história, com várias ramificações e situações que, dependendo de nossas escolhas, nem chegamos a ver. Inclusive o tempo de resposta para algumas situações é realmente injusto, fazendo que escolhamos por instinto (como na vida, as vezes não temos tempo para analisar a situação antes de tomar uma decisão). Por isso recomendo ao leitor jogar duas ou três vezes para ter noção de todas as escolhas e suas consequências. Personagens que morrem podem sobreviver e vice versa, dando um sentido muito forte de “história alternativa” às sessões de jogo.
O ato final é impactante, emocionante e nos dá algumas escolhas realmente difíceis. O gancho para o próximo episódio é quase desleal e a Tell Tale subiu mais um pouco no conceito no que tange aos jogos focados em história (se é que isto é possível).
Em suma, mesmo não sendo um puzzle game como os primeiros episódios da primeira temporada, a Tell Tale encontrou sua voz, dando escolhas ao jogador ao invés de simples quebra-cabeças. Este segundo episódio desta segunda temporada expande em tudo o que vimos até agora, com uma história que é profunda, complexa, emocionante e muito, mas muito melancólica. Além de nos apresentar um antagonista digno no universo de TWD dos jogos, o insere na história de forma orgânica e bem tensa. Sem sombra de dúvidas o jogo está entre aquele que possui os melhores roteiros da franquia. Aliás, os roteiristas da série podiam muito bem aprender algumas coisas com os roteiristas da Tell Tale.
Portanto, não se surpreenda se você se pegar com algumas lágrimas correndo no rosto quando o nome de Lee ou Duck são mencionados.
E me diga, que obra mais tem o poder de nos fazer chorar, senão aquela que é arte?