The Walking Dead 4ª Temporada: O episódio épico de “The Walking Dead”

O oitavo episódio da quarta temporada do “The Walking Dead” (Too Far Gone) foi sobre um cerco. Dois grupos opostos, o do Rick (os sitiados) e o do Governador (os sitiantes) disputam uma prisão, um dos poucos refúgios seguros num mundo dominado por Walkers. Ambos acreditam ter direito ao controle dela e levam a disputa até as últimas consequências: a morte de muitas pessoas de ambos os lados e a destruição do próprio objeto contestado.

Ao terminar de assistir o episódio, eu não consegui parar de pensar sobre as semelhanças desse cerco com outro cerco, o de Tróia, cuja narração conhecemos principalmente através da obra Ilíada de Homero (século VIII a.C).

A Ilíada de Homero é provavelmente, junto com a Bíblia, a obra literária mais importante de todos os tempos. O termo “clássico” talvez tenha sido cunhado pela primeira vez para descrevê-la, pois ela trata de temas considerados universais: amor, morte, honra e vingança. Seu estilo foi copiado por muitos, seus personagens foram admirados e até mesmo cultuados como deusesm Antiguidade e seus temas readaptados, servindo até hoje em dia como inspiração para outras obras. O episódio “Too Far Gone” transmitido no último domingo é, na minha opinião, um desses casos. Os pontos em comum são muitos para ser uma simples coincidência. A ver.

Começamos com a disputa em si. O Governador, depois de ter encontrado uma nova família e um novo grupo para liderar, os convence a atacar a Prisão. Ele justifica o ataque afirmando que essa é a única chance de sobrevivência do grupo e de sua família, mas nós, que acompanhamos a série, sabemos que ele quer na verdade se vingar. Ele foi derrotado pelo grupo do Rick e por isso ele é tão obcecado por tomar prisão, por uma questão de honra e ego ferido.

Já a Ilíada descreve a guerra entre os gregos e a cidade de Tróia, cuja causa foi o rapto de Helena, esposa de Menelau, o rei de Esparta, por Paris, o príncipe de Tróia, que havia se apaixonado por aquela que era a mulher mais bela do mundo.

Não por amor, mas pela sua honra, Menelau então convoca todos os gregos para guerrear contra Tróia, resultando num cerco que iria durar nove anos e no qual muitos heróis de ambos os lados iriam perecer. Por fim, a cidade de Troia é tomada pelos gregos e destruída. Todos os principais personagens troianos, incluindo Paris, são mortos, assim como muitos outros gregos, incluíndo o semi-deus Aquiles e os habitantes da cidade que sobreviveram foram levados para Grécia como escravos. Helena, por fim, é retornada a seu esposo.

A honra de Menelau foi lavada com o sangue de milhares.

A semelhança desfecho do cerco de Tróia com o da Prisão salta aos olhos. Movidos pela obsessão do Governador em lavar sua honra ferida pela resistência do grupo de Rick, o seu novo grupo é levado a sitiar a prisão e o resultado é a morte de aparentemente todos os sitiantes, incluíndo o próprio governador, a dispersão do grupo de Rick e a destruição da prisão.

Aqui é interessante apontar um pequeno detalhe: o tanque usado pelos sitiantes é equivalente ao afamado Cavalo de Tróia.

Os gregos estavam quase desistindo do cerco devido a impossibilidade de romper as poderosas muralhas troianas, mas um dos líderes gregos, Ulisses, cria um estratagema: ele manda fazer um cavalo de madeira oco, põe soldados gregos lá dentro, coloca-o na entrada da cidade de Tróia e ordena que as hostes gregas recuem. Os troianos, vendo que as tropas gregas desapareceram deixando para trás um cavalo de madeira, regozijam-se acreditando que o cerco havia terminado e trazem o cavalo para dentro. Com o anoitecer, os gregos escondidos no cavalo saem e abrem as portas da cidade para os gregos. O resto é História.

Naturalmente o tanque que arromba a entrada da prisão não se equivale completamente ao Cavalo de Troia, mas as semelhanças são óbvias. A semelhança do Cavalo de Troia, o tanque do Governador é o que o permite a entrar na prisão. Além do mais, assim como o Cavalo de Troia representa o espírito criativo e astuto de Ulisses, o Tanque representa a obsessão cega e violenta do Governador.

Eneias-carregando-anquises-de-bernini
Eneias carregando Anquises, de Bernini

Para terminar, passamos para a última cena do episódio. Carl carrega seu pai ferido para fora da Prisão e, já há certa distância, vemos a prisão dominada pelos Walkers e Rick dizendo a Carl que não olhe para trás e continue andando. Essa cena me lembrou automaticamente de Enéias carregando seu pai Anquises para fora de Tróia. Enéias era um personagem sem importância na Ilíada, mas retomado por Virgílio na “Eneida”(século I d.C): um poema épico romano que cria uma origem mítica para a metrópele italiana. Virgílio nos conta que Enéias escapa de Tróia com um grupo de troianos em direção a Itália e lá se estabelecem, tornando-se assim os ancestrais do povo romano. Sendo assim, será o Carl um “Enéias” que irá líderar o grupo de sobreviventes do ataque da prisão para um refúgio final, onde todos poderão viver em segurança sem mais se preocupar com walkers e “governadores”?

O termo “épico” foi de tal forma banalizado na Internet que ele perdeu o sentido, porque quase tudo é épico: uma festa, uma viagem, uma vitamina de mamão… Porém, depois de tantas semelhanças e aproximações, posso dizer que o oitavo episódio da quarta temporada de “The Walking Dead” foi com toda certeza épico.

Por João Vicente de Medeiros Publio Dias

Historiador e fascinado por “The Walking Dead”. Acesse www.imperiobizantino.com.br


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