Análises Longas são são textos mais aprofundados e elaborados dos episódios de The Walking Dead, feitos por Tiago Toy, escritor e autor da saga “Terra Morta“, lançada pela editora Draco, que conta a história de uma epidemia zumbi ambientada em São Paulo. Atualmente trabalha na continuação do livro, no roteiro de uma HQ e na organização de uma coletânea, ambas baseadas no universo de “Terra Morta”.
O texto abaixo apresenta spoilers, tanto da série quanto dos quadrinhos.
Desde que a série deu os primeiros indícios de que se afastaria dos quadrinhos nunca pensei que o diria, mas finalmente estou contente com o rumo tomado em The Walking Dead. Claro, após me conformar com a perda de personagens como Andrea e T-Dog (mentira este último) e testemunhar atos atrozes criados pela direção corajosa de Frank Darabont, só se eu fosse muito masoquista para ainda esperar alguma linearidade com a história original.
Apontando apenas um exemplo, a ideia de inserir na trama uma nova forma de morrer a qualquer momento além de ser mordido foi, mesmo que não original, uma jogada de gênio. Como já disse, zumbis são bons, mas não se sustentam por muito tempo sem cair na mesmice se forem os únicos responsáveis pelos momentos de tensão. E convenhamos: quem assiste The Walking Dead quer ver zumbis! As picuinhas paralelas precisam acontecer, é lógico, mas se os zumbis forem transformados literalmente em panos de fundo aí a coisa descamba para um drama forçado e não há público-alvo que aguente. Só por isso a quarta temporada começou com o pé direito. E olha que eu não estava nenhum pouco ansioso pela estreia.
O episódio começa com um momento romântico — e embaraçoso — entre Tyreese e Karen, onde ele faz o sentimental pela perda de Zach (no capítulo anterior) e ela faz ânus-doce para não ir para a cama com o grandalhão — e neste detalhe acredito que o desfecho do episódio aproveitou um gancho para trazer um dos pontos de destaque dos quadrinhos, mas com uma roupagem diferente. Já chegaremos lá.
Do lado de fora da prisão, nas cercas, alguém oculto pelo breu alimenta os zumbis com um ratinho. Durante os minutos seguintes fiquei martelando quem poderia ser, até que cheguei a uma conclusão plausível — e, de novo, já chegaremos lá.
Como vimos no final do anterior, Greg… quer dizer, Patrick (força do hábito) se levanta já transformado em zumbi e vaga pelos corredores até chegar ao bloco D, onde estão os personagens de menos importância, graças. Patrick-zumbi encontra as celas abertas, d’onde cortinas são balançadas pelo vento, e é como aqueles programas de auditório onde o prêmio está atrás de determinada porta. Você fica pensando: “Quem será o infeliz da vez”, e suspira aliviado — enquanto faz careta de asco ao assistir o banquete canibal — quando não reconhece a vítima. Figurante. Ufa!
Mantendo a “conversão” apresentada anteriormente, Rick continua querendo distância de armas de fogo — embora estivesse armado quando a andarilha que tentou dá-lo de comer ao namorado-cabeça o atacou. Um erro de continuidade, talvez? — e o quer para Carl, mesmo quando o filho pergunta quando terá a sua de volta. Agora Rick é um homem da terra, negando sua natureza e preferindo mexer com legumes e minhocas. Sentimos, neste momento, que é a preparação para o que está por vir, uma situação que o fará rever seus novos conceitos.
Dali, ouvem tiros dentro da prisão (que mais pareciam trovões). A merda está espalhada! No bloco D, muita gente foi pro saco. Todos não importantes. Claro que Darabont não desperdiçaria personagens estimados pelos fãs em uma cena qualquer, a despeito de seu grau de tensão. Ele prefere segurá-los e matá-los em desfechos, lenta e dolorosamente, para que nós, enraivecidos, inundemos a internet com comentários e tags #TWD, para que a atenção e ibope direcionados à série compensem o desligamento do respectivo ator. Me fiz entender? Não resisti à alfinetada. Descanse em paz, Andrea.
A propósito, de momentos tensos o episódio está bem abastecido. Quando foi anunciado que esta temporada teria mais zumbis não estavam brincando. O chororô contínuo diminuiu, e agora que a segurança não é mais uma cortina colocada diante dos sobreviventes, esta arrancada em um puxão violento, não há mais certezas. Quando apontei em meu texto precedente sobre o erro que era Rick estar usando fones de ouvido não foi exagero, e agora todos veem o porquê. Acreditavam tanto que a prisão era um porto seguro, que a vida tinha voltado ao normal e que agora poderiam plantar cenouras e cantar Kumbaya em frente à lareira… Pff! Tolinhos. Quando eu disser algo, não questionem ;*
Após a limpa final, de mortos e pré-mortos, Rick e os outros percebem que dois zumbis, Patrick e Charlie, não apresentam marcas de mordidas, e logo concluem que, considerando os ferimentos em seus rostos, tenham sido acometidos por um derrame pleural. Pelo que foi explicado no episódio e pelo que li sobre a patologia, há algo muito estranho no meio termo.
Salientando que não sou formado em Medicina, apenas um leigo que foi pesquisar sobre, derrame pleural não é uma doença de fato, mas o resultado de uma em uma lista de doenças. Resumindo (e quem quiser pular este parágrafo e continuar na análise do episódio, não se acanhe), derrame pleural (também conhecido como “água no pulmão”) é o acúmulo anormal de líquido na cavidade pleural, que é o espaço virtual entre as pleuras visceral e parietal, as quais deslizam uma sobre a outra, separadas por uma fina película de líquido. Pode acontecer como consequência de várias doenças, como insuficiência cardíaca congestiva, embolia pulmonar, cirrose hepática, urinotórax, desnutrição, entre outras. Os principais sintomas são dor torácica, tosse e dispneia (alteração do ritmo da respiração). No geral, o tratamento não é voltado para o derrame pleural em si, mas para a doença que o causou. O que pode ser feito é pulsionar o líquido acumulado na pleura. E, pelos relatos que li, o derrame não mata do modo como pintam em TWD. Há chances dos enfermos serem salvos e terem uma vida longa e saudável. Portanto, vamos ver o que a série nos reserva; se vão tomar a liberdade criativa para dizer que, de alguma maneira, o vírus-zumbi alterou a composição da “doença”, ou se tentarão levá-lo ao pé da realidade e tratá-lo como uma ameaça real. Ou se os sobreviventes erraram no diagnóstico e se trata de algo pior.
Voltando à análise…
Carol leva Lizzie e Mika, filhas de um dos feridos no ataque, para se despedirem do pai. O coitado morre diante das pequenas e a mais velha acaba pedindo para pôr o treinamento secreto, ministrado pela própria Carol, em prática, mas perde a coragem na hora H. Nas cercas, ela chora e murmura que “ele está morto”. Carol tenta consolá-la, mas descobrimos que a menina chora, na verdade, por um dos zumbis, nomeado por elas como Nick, que foi abatido no processo de mantê-los afastados.
Sobre o que falei de alguém estar alimentando os zumbis com ratos — o que é notado por Sasha quando um grande grupo de zumbis se amontoa na cerca —, acredito que esta pessoa seja Lizzie. No começo do episódio, Karen vê um desenho pendurado na parede, onde um zumbi rabiscado tem o nome NICK sobre a cabeça. Desde o anterior, percebe-se que as crianças nutriram um sentimento peculiar pelos zumbis, tratando-os como se fossem pessoas normais. O fato de a menina se importar com a morte do pai e do tal Nick com a mesma intensidade é alarmante, e foi o estopim para que eu concluísse ser ela a merendeira dos mortos-vivos. Não havia motivo para alguém ali dentro querer a destruição do local. Até poderíamos pensar que fosse Philip Blake, o ex-Governador, SE a pessoa estivesse do lado de fora, o que não é o caso. E, se fosse ele, não lidaria com a situação desse modo, em doses homeopáticas; já chegaria quebrando tudo. A ação foi intencional, realizada pelas mãos de uma criança em sua mais estúpida inocência.
Em outra cena, no final, a garota até se redime, pegando a faca de Carol após ouvi-la dar um sermão sobre o que eles realmente são, com o claro intuito de que irá fazer o certo… mas não me convenceu.
Vale um adendo: a mais nova, Mica, apagada pelo roteiro, atua melhor do que a outra, personagem de mais destaque. Vai chorar forçado assim lá na casa do…
Quando os primeiros tiros foram ouvidos e Rick voltou correndo à prisão, Michonne estava de saída, mas acabou voltando e cercada. Salva por Carl e Maggie, mas não sem antes torcer o tornozelo, a espadachim ficou de molho em seu quarto. Após todo o corre-corre, ela e Beth conversam até que Judith gorfa no ombro da loira. Quando esta pede para Michonne segurar a bebê (antes ela se mostrou bastante incomodada com o choro infantil), a reação não é nada simpática, mas ela acaba cedendo. A sós com Judith, Michonne se revela emocionada, e é quando lembramos que não sabemos muito de sua vida antes de os zumbis dominarem. Acredito que descobriremos logo um pouco mais de quem é, ou foi, Michonne, talvez em flashbacks. Arrisco dizer que, além dos capangas-zumbi, namorado e amigo, ela também perdeu alguém muito mais próximo: um filho já nascido ou ainda no ventre. Foi uma bela e triste cena acertadamente adicionada.
Uma grande coincidência foi outra cena triste acontecer justamente quando o Brasil testemunha um caso grotesco, os experimentos do Instituto Royal. Não captaram a semelhança? Sendo mais claro: quando Rick e Daryl usam os porquinhos para afastar os zumbis das cercas, estas quase caindo. Foi algo necessário, eu entendo, mas ainda assim é desconfortável de assistir. Até onde se pode medir o valor de uma vida? Aqueles candidatos a bistecas tiveram um fim merecido? Quando o jipe apareceu com uma grande caixa, esperei ver Rick jogando os corpos das vítimas do ataque para atrai-los, mas, estranhamente, me chocou mais vê-lo sacrificando os porcos. Primeiro os ratinhos na cerca, agora os porquinhos? Ativistas, o Royal se instalou na prisão. Vão resgatá-los!
Por fim, e continuando aquele primeiro “já chegaremos lá” do começo do texto (sobre o desfecho do episódio ter aproveitado um gancho para trazer um dos pontos de destaque dos quadrinhos, mas com uma roupagem diferente), Tyreese vai visitar Karen na quarentena e encontra um rastro de sangue. Seguindo-o, encontra dois corpos carbonizados: a própria Karen e David.
Quem acompanha os quadrinhos sabe que Tyreese andava com sua filha e o namoradinho, e os dois acabaram se suicidando em um ritual de juras ao amor eterno. Não deu muito certo, mas enfim. Possivelmente tenha acontecido o mesmo aqui. Analisem comigo: no começo do episódio Karen recusa se deitar com Tyreese; quando vê que será trancafiada em uma quarentena, logo diz que David também está tossindo, o que resultou em trazê-lo para junto dela, e fez isso talvez com o intuito de passarem seus últimos momentos vivos juntos; e, para concluir, ambos aparecem carbonizados lado a lado. Há grandes chances de ter sido um último ato de declaração entre os apaixonados em segredo, uma reprodução alternativa do acontecido na HQ.
Comentários finais:
— Como previsto, Rick volta a portar sua arma e devolve a de Carl;
— Não é à toa que Emily Kinney, a Beth Green, tem uma voz tão linda, novamente cantando, ao ninar Judith. Fui procurar e ela tem um CD, chamado “Blue Toothbrush”;
— Nada de mais aconteceu entre Glenn e Maggie além do costumeiro (e bem-vindo para quebrar a tensão) romance — o que me faz temer que algum dos dois vá para a casa dos pés-juntos em breve.
A promessa de que a quarta temporada seria boa continua se cumprindo. Não há mais aqueles momentos em que uma baba de sonolência escorre pelo canto da boca. Há zumbis, muitos. E, pelo sneak peek do próximo, que promete 7.500 mortos-vivos, tenho uma certeza quase absoluta que só tende a melhorar. Sinceramente, nem faço mais questão de semelhanças com os quadrinhos. Se continuar nesse ritmo, Darabont tem o meu aval.
Última consideração: Todo Mundo Odeia o Patrick.