Poucas pessoas conseguem enxergar, mas analisando de uma perspectiva totalmente “Alan-Mooriana”, The Walking Dead (a série) não é lá uma das melhores coisas que apareceram na TV.
Mas antes que as pedras comecem a voar, antes que a raiva, o ódio e a tradicional “crucificação virtual” comece, gostaria de pedir uma coisa antes de continuarmos:
Calma, nobre leitor. Respire fundo.
Respirou? Ótimo. Quero primeiramente que entenda que isto não é uma carta de ódio à TWD, escrita por um hater qualquer, ou algum tratado tentando convencer uma legião de pessoas a mudar seu gosto. Não. Longe disto.
Este pequeno (ou não tanto) artigo trata-se de uma análise dos games e da série, feita por “moi”, UM GRANDE FÃ da série, dos quadrinhos e dos games (os da Telltale ok? Aquela aberração da Activision nunca aconteceu) a respeito do potencial de impacto sobre as pessoas das três mídias. E consequentemente, uma divagação fria e cruel sobre o que gostamos. É como se uma mãe não tivesse vergonha de admitir que seu filho seja feio, mesmo amando-o demais.
Mas vamos lá. Acompanhem-me e talvez (eu disse talvez) acabemos vivos ao final desta pendenga.
Quando os quadrinhos começaram lá em 2003 (e eu acompanho-os desde aquela época), conforme as histórias foram passando não pude deixar de sentir certo sentimento de adoração. Aquilo era “arte sequencial” (citando o mestre Will Eisner) em sua forma mais crua e cruel. Não havia nada parecido e como um grande fã de George Romero (procure no Google caso não conheça quem é o pai dos zumbis modernos) aquilo servia como uma luva para mim. Fora que o tropo “isto é uma história sobre PERSONAGENS com um pano de fundo de zumbis” era bem interessante, já que Romero em seus filmes fazia histórias sobre “contextos sociais” e não sobre personagens, utilizando seus filmes como críticas sociais de época bem ácidas e deixando os personagens e os zumbis como o pano de fundo da história.
Portanto, se importar com os personagens e consequentemente com suas ações foi um grande passo para a cultura zumbi. Mas vamos lá, estávamos em 2003 e um ano depois o “hit” (e remake de um clássico infinitamente superior de George Romero) “Madrugada dos Mortos” iria estrear nos cinemas e ressuscitaria o gosto do público por zumbis, que desde o fim da década de 80 não andava lá estas coisas…
Avancemos para a segunda década dos anos 2000 e já temos um estilo de horror (os de “zumbi”) mais que consolidado (e entrando em saturação junto com os “Vampiros”) e a série em quadrinhos bem adiantada e temos a produção da série televisiva.
Sempre fui da opinião que os quadrinhos por si só já representavam um storyboard para uma série televisiva… no começo. Com o decorrer das edições e os grandes lapsos de Kirkman para diálogos longos e enrolação, ficava claro que algo precisaria ser adaptado. Algumas coisas foram mudadas, personagens foram mal escritos, outros foram mais bem escritos e temos aí a série que conhecemos se tornando uma bela peça de entretenimento, analisando de forma isolada.
O problema é que a Telltale entrou na história.
Pegando os direitos da franquia e criando personagens mais ricos e densos que as da série e os quadrinhos, os jogos da Telltale (que não são propriamente jogos, diga-se de passagem, são como aqueles livros “escolha seu destino” com um formato mais moderno) colocaram o espectador DENTRO daquele mundo. E ainda, ao fazer com que nos identifiquemos tanto com os personagens, ser responsável pelas suas ações e pelos destinos dos mesmos causa um impacto MUITO maior do que qualquer outra mídia poderia causar. E isso meio que causou uma mudança de paradigma para mim.
Em um dos podcasts eu brinquei que a série TWD seria uma “série sobre o nada” caso não houvesse zumbis. Mas vou um pouco mais longe. Faça uma pergunta a si mesmo, caro leitor:
“Por que eu me importo com esses personagens?”
Você pode responder : “Ora, porque eu quero saber se eles irão atingir seus objetivos!”.
Mas na série ao menos NÃO HÁ OBJETIVO NENHUM. Os objetivos que surgem (como o subplot de Washington, por exemplo) são destruídos pelo próprio roteiro.
Nos quadrinhos essa “falta de objetivo” funciona, já que a mídia é outra, a arte é outra. Nos jogos, o objetivo é acabar a história da melhor forma possível, já que SEU personagem (e muitas vezes os outros também) é responsabilidade SUA. Mas a série não. Sentamos no sofá e ficamos passivos enquanto um bando de atores correm, lutam, choram e morrem de lá pra cá sem objetivo.
Não quero que me entendam mal, eu ADORO a série, mas acredito que devam ser feitos certos ajustes para que ela não se desgaste MAIS do que já está desgastada (e o final dessa mid-season provou que certas escolhas no roteiro estão beeeeeem equivocadas).
A série precisa de um ENDGAME, um objetivo, um arco maior. Mesmo que seja algo muito difícil ou até quase impossível de se achar. Poxa, até na vida real temos objetivos. “SOBREVIVER” somente não é objetivo, é OBRIGAÇÃO. A mídia televisiva é passiva. Nós como telespectadores requeremos incentivo para sentar ao sofá e assistir algo.
Acredito que TWD a série deva sofrer uma mudança. Algo que, por exemplo, a outra série de zumbis que foi lançada recentemente Z-NATION, por pior que seja (e realmente É MUITO RUIM) fez. Existe um objetivo lá. Existe algo que por mais ridículo, imbecil, idiota, absurdo, mal-feito que seja, é um ponto B final para o ponto A do início. Isso, infelizmente não existe em TWD. E devo confessar que antes dos jogos eu assistia à série esperando ver adaptado na tela os acontecimentos dos quadrinhos. E confundia isso como objetivo. Mas a série deve funcionar para quem nunca viu os quadrinhos. Ela funciona, mas não tão bem assim.
Por fim, gostaria que não eu não fosse entendido de forma errada. Eu gosto muito da série. Mas infelizmente, caso ela continue assim, a única coisa que iremos nos importar no futuro seja a orientação sexual do Daryl (caso ele ainda esteja vivo). É necessário um olhar crítico à obras que gostamos, a fim de que elas sempre se renovem e nos transmitam as emoções que tanto queremos. Como o perfeito piloto da série. Ora, o objetivo aquele ponto era o Rick encontrar sua família. Lembram-se como era? Era emocionante. Ele precisava encontrar sua família enquanto todo mundo achava que ele estava morto. Isso é um ponto B. Isso é o que falta atualmente.
Por fim uma pequena lista dos motivos de porque os jogos são a melhor representação de TWD atualmente:
1. Personagens mais bem elaborados e trabalhados;
2. Podemos investigar o que move os personagens com mais liberdade;
3. Somos ativos no desenvolvimento do contexto geral (e não meros expectadores);
4. O roteiro é melhor. Simples.
5. Podemos ESCOLHER como a história se desenvolve;
6. Os jogos não possuem as travas orçamentárias e de CENSURA que a série possui;
7. Os jogos não dependem de ATORES e sim de PERSONAGENS (reflita sobre isto, nobre leitor, é forte);
8. Na série não existe nenhum personagem tão bem trabalhado quanto Kenny ou Clementine;
9. Nos jogos existe um objetivo, que faz com que queiramos continuar a ver/jogar/sentir;
10. Não existe Tyresse nos jogos.
Que as pedras comecem a voar. Um bom 2015 a todos!