Devido às circunstâncias atuais, Fear The Walking Dead pela primeira vez teve sua temporada dividida em dois anos, retornando com uma midseason (finale) premiere que responde quase todas as questões deixadas na primeira parte.
The Door carrega em seu título uma metáfora óbvia de uma barreira que irá impedir que os males de John Dorie entrem em sua velha cabana para que ele possa acabar com seu sofrimento, o que o faz embarcar em uma busca incessante por uma porta enquanto encara seu passado.
O roteiro dos showrunners não é sutil e já deixa subentendido o destino do cowboy logo em seus primeiros minutos, com o clássico Meet John Doe rodando na tevê em seu 3° ato quando o protagonista John Willoughby está prestes a se suicidar. Até a interminável discussão por todo o episódio entre John e Morgan, que chega a recapitular como ambos se conheceram no longínquo What’s Your Story?, evidência o fatídico fim do pistoleiro boa gente.
Isso faz o clímax perder as forças quando chega, não surpreendendo como deveria tanto pela previsibilidade tratada até ali quanto pela gratuidade que leva Dakota a cometer tal façanha. Não é como se John fosse até o guarda revelar de tudo mais um pouco sobre seus planos.
Apesar de tudo, vale o esforço já que os showrunners Andrew e Ian não só ousaram, como também reconheceram o valor desse grande personagem durante toda a série ao nos fazer lembrar de sua jornada e como John foi o ponto de partida para algo muito maior, como o próprio Morgan aponta.
E olhando mais a fundo nessa motivação mequetrefe de Dakota, é interessante notar o quão semelhante ela é de sua irmã mais velha, com um egocentrismo até maior, que chega beirar à loucura. (ela fez uma verdadeira montanha russa para tentar fugir de Lawton e fez de Morgan o escolhido para matar Virginia, já que ela mesma não pode fazer por sabe lá o motivo).
Não me surpreenderia se lá frente fosse revelado que foi Dakota quem matou os próprios pais e por algum devaneio ou algo parecido a levou a acreditar que fora Virgínia, caindo bem para o lado psíquico da coisa à lá Ilha do Medo (ou de qualquer outro filme que trabalhe com esse plot).
Além de que isso abre margem para um conflito que, embora já saibamos como acabará, deixa Morgan num impasse de matar ou não a garota, uma vez que ela é a “moeda de troca” para salvação de seus amigos e, também, a pessoa que o salvara quando Virgínia o deixou para morrer em End of the Line.
Sim, é duro ter que aceitar que um mini crack que mal sabe dirigir conseguiu levar Morgan para um lugar seguro e tratá-lo com algum remédio milagroso que o fez sobreviver por meses mesmo jorrando mais sangue que hidrante estourado. Mas ok.
Se a ousadia dos showrunners em matar John foi grande, Michael Satrazemis é ainda mais ousado em colocar a mesma trilha tocada na morte de Nick (essa sim que me deixou com chagas incuráveis até hoje), fazendo também um paralelo com o episódio Laura, subvertendo o primeiro encontro do casal à beira do rio.
Vale mencionar seu trabalho na estética, costumeiramente escura desde que pisou no set da série principal, aumentando o contraste na sequência submersa em um amarelo que evoca solidão e uma possível esperança no fim iminente, quando John lembra das palavras de seu pai ao pegar a fotografia e faz o que já dizia a peixinha Dory, continua a nadar, esperançoso de que ainda há mais a percorrer.
Sempre gostei de Garret Dillahunt desde que ganhava no poker e tirava sarro dos perdedores em Deadwood, logo dizer que não sentirei sua falta seria mentira minha. Mas encaro sua morte como um salto positivo que irá mudar June drasticamente.
Afinal, John já estava em um loop desde a morte de Janis, mesmo que a estrutura antológica da temporada tenha atrapalhado no aprofundamento disso, a mensagem foi captada e me leva crer que se June morresse também, acabaríamos no mesmo lugar.
Então, ao invés dos showrunners irem para o caminho mais fácil e matarem ela no lugar de John, uma vez que pouco carinho a personagem tem do público, eles optaram pelo mais difícil. Se souberem trabalhar isso com inteligência haverá estofo narrativo para desenvolver e transformar June em um dos melhores personagens da série. Basta esperar.
Apesar de previsível em sua inevitabilidade, The Door é um bom episódio de retorno que traz de volta aquela ousadia da série em matar seus potenciais protagonistas sem deixar de valorizar sua trajetória de modo simbólico.
Mas a pergunta que não quer calar é: consertou a porta?
Nota: 3/5