Análises Longas são são textos mais aprofundados e elaborados dos episódios de The Walking Dead, feitos por Tiago Toy, escritor e autor da saga “Terra Morta“, lançada pela editora Draco, que conta a história de uma epidemia zumbi ambientada em São Paulo. Atualmente trabalha na continuação do livro, no roteiro de uma HQ e na organização de uma coletânea, ambas baseadas no universo de “Terra Morta”.
O texto abaixo apresenta spoilers, tanto da série quanto dos quadrinhos.
Mais um outubro chega, outra temporada de The Walking Dead se inicia. Confesso que, às vezes, me sinto sendo injusto com o mérito da série. Como bom e exigente fã do subgênero zumbi acabo não conseguindo aproveitar as histórias se pescar defeitos aqui e ali, do mesmo modo que cinéfilos apaixonados por terror não se contentam com as porcarias que inundam os cinemas e locadoras nestes últimos anos. Até tento absorver a atmosfera intencionada por seus criadores, mas infelizmente, algumas vezes, é impossível. Não é o caso de The Walking Dead.
A terceira temporada foi permeada por altos e baixos, passando do tititi melodramático aos (poucos) momentos de ação de desenfreada, e nos brindando com algumas necessárias reviravoltas (algumas que não descem até hoje, como a morte de Andrea). Apesar das críticas, a série já conquistou seu espaço e não dá para negar que é hoje uma das de maior sucesso da história. Ainda assim há um caminho considerável a se trilhar para chegar à perfeição, o que vemos na estreia da quarta temporada, em 30 Days Without An Accident.
Partindo meses depois de onde o último episódio terminou, nos deparamos com uma prisão de segurança máxima — literalmente. Como o título do episódio diz, não ocorrem baixas há um mês e todos parecem viver conformados e tranquilos. Rick, que tinha tudo para seguir para o lado negro da força, com seus rompantes de fúria e conversas no telefone-sem-fio, apresenta-se aqui como um homem medido, sem aquele olhar de maníaco e dando umas boas carpiduras.
Manuseando a enxada, escuta um country antigo em fones de ouvido, o que me faz pensar: vivendo em um mundo como o deles, ainda que com uma segurança razoável, acredito que eu nunca mais colocaria fones de ouvido. Nunca. Nunca se sabe o que pode acontecer e, no imprevisto, um zumbi se aproxima e você não percebe porque está lá, curtindo sua musiquinha, seja ela country, rock ou funk (tá, se estiver ouvindo funk, merece morrer [brincadeira!]), e, sem perceber, tem a popa do rabo arrancada numa mordida. Tchau, amigo! Após tanto aprenderem com os zumbis, vi nesse detalhe um descuido, talvez por parte do diretor, talvez por parte dos personagens.
Uma pequena manada (é assim que são chamados grupos numerosos de zumbis nos quadrinhos da série) rodeia a cerca e, entre os mortos-vivos, há um que ganha um destaque maior, pois é o único com os olhos feridos, como se tivessem explodido ou algo assim. Quando os boatos sobre a quarta temporada começaram a pipocar me lembro de ter lido algo sobre uma nova espécie de zumbis ou nova doença, não sei precisar, então, ao ver o ceguinho, matutei se era uma dica de que o boato se confirmaria.
Daryl se tornou meio que um popstar na comunidade. Está bem mais estiloso (como se fosse preciso) e sendo adorado pelos companheiros, o que se nota ao ouvir os cumprimentos contínuos quando ele aparece — e Carol vai logo segredando que ela gostou dele primeiro. Sinto que, se eles não se pegaram até agora, não se pegarão mais. Ou Carol está na friendzone e não percebeu (ou percebeu e está tudo bem assim), ou Daryl é gay. Não faço questão que romance seja um tema explorado em toda história, com todos os personagens, mas o que foi prometido nas entrelinhas desde o primeiro contato entre o casal nos fez idealizar um rumo diferente. Se Daryl fosse gay, seria incrível, destruindo todos os estereótipos que grande parte da mídia adora abordar. Um caipira, criado em um ambiente estritamente masculino e que pode ter quem quiser aos seus pés — considerando que a civilização foi para o espaço e a carência só faz se intensificar —, além de grande responsável pela integridade do grupo, se revela gay. Ou não se revela, e fica subentendido. Querem uma reviravolta decente? Vão nesta. Aposto que abalarão as estruturas do fandom.
Como o número de bocas para alimentar aumentou, é preciso abandonar a segurança da prisão e sair em busca de suprimentos. Liderados por Sasha, que ganhou um upgrade no papel e agora tem mais a oferecer do que ser apenas a sombra de Tyreese, uma pequena comitiva vai até um mercado para manter a despensa cheia. Enquanto aguardam para saber se o local está livre de perigo, Daryl fica sentado no peitoril de uma vidraça jogando conversa fora com Michonne e Zack, o namoradinho de Betty (perdeu, Carl), sem se atentar à própria segurança. E aí vi outro erro, que mais uma vez pode ter vindo de fora ou foi proposital, para mostrar-nos que os sobreviventes relaxaram e precisarão, mais para frente, levar um chacoalhão e perceberem que, apesar das flores, frutas e porcos o mundo não é mais o mesmo. Para um ou mais zumbis se atirarem naquela vidraça e darem um fim ao nosso idolatrado Daryl é um minuto.
Temos no mercado a sequência mais original da série inteira e uma das mais incríveis do subgênero. Nossos sobreviventes não sabem, mas no telhado há um helicóptero tombado e, no mínimo, duas dezenas de zumbis vagando por ali. Enquanto isso, em um dos corredores escuros do estabelecimento, um novo personagem, Bob, um médico de guerra e claramente alcoólatra em fase de cura, tem um momento só dele ao questionar consigo se vai ou não levar uma garrafa escondido, e acaba, por culpa do destino (nem pode-se dizer que foi descuido, pois era quase impossível saber que aquela prateleira estava comprometida), derrubando a prateleira de bebidas sobre si (Não queria beber, filho da mãe? Agora bebe!) e fica preso. O estardalhaço chama atenção dos zumbis tomando um solzinho lá em cima, e os motiva a seguir em direção ao som. Como o choque do acidente do helicóptero comprometeu o prédio, o telhado começa a ceder e temos uma cena de Tá Chovendo Hambúrguer Zumbis. Pegos de surpresa pela genialidade maquiavélica do roteirista, o grupo passar a vagar como cego em tiroteio e desfaz a formação. O único que vai para o saco é Zack, e senti falta de uma carnificina maior. Acredito que estejam querendo nos mostrar que os personagens agora sabem contornar bem as situações e que não morrerão tão facilmente — apenas para dar um show de horrores daqui a algum tempo. Aposto.
O peso do helicóptero coopera no desmoronamento do teto e o dito cujo bem abaixo, quase esmagando Daryl, Glenn, Michonne e quem mais estiver embaixo.
No começo do episódio Rick tem uma conversa com Hershel e descobrimos que ele não é mais adepto de armas de fogo, e que agora só usa facas. É uma discussão desnecessária, pois alguns minutos mais tarde, cercado na floresta, ele tira o revólver do bolso como se a conversa nunca tivesse existido. Pensei que sua opção resultaria em um desfecho mais chocante, mais foi só para mostrar uma característica nova no personagem, provavelmente para alegarem que ele evoluiu. Só acho que ficou mal construído. Sozinho em grande parte do episódio Rick encontra uma sobrevivente que nos mantêm aflitos, imaginando o que virá por trás de suas meias palavras e rosto inocente. O desfecho da mini-história não é impactante e não traz maiores consequências ao roteiro, além de pequenos momentos de tensão. Bem pequenos.
Michonne conseguiu conquistar a confiança geral e agora vaga pelo estado em busca de algo, que não fica claro para o espectador, mas logo se deduz tratar-se de Phillip Blake, o famigerado Governador. Quem acompanhou as notícias, vídeos e fotos que vazaram deve ter visto uma em particular que mostrava Phillip, quase desfocado, com os cabelos compridos e acompanhado por seus capangas, apresentando, finalmente, a aparência do Governador dos quadrinhos que tanto queríamos ver. Imagino como será o encontro entre Michonne e Phillip. Uma batalha de titãs?
Carl, por sua vez, estava seguindo os passos do pai na temporada anterior e se tornando uma figura arredia, tomada por incertezas e distante de sua inocência infantil. Com a chegada dos woodburienses (?) à prisão no último episódio, tudo levava a crer que ele não se enturmaria tão facilmente, que só dificultaria a convivência, mas aqui se mostra mais comedido, maduro e até sutilmente infantil: uma porca ganha, graças a ele, o nome de Violet, Michonne traz quadrinhos de sua última viagem, o que o deixa bastante contente, sem mencionar a leveza que sua atuação nos faz enxergar.
Não houve maior destaque a outros personagens, como Tyreese, Maggie, Glenn, Hershel, Carol. Tudo virá no seu tempo. Acho até que o zumbi da cerca, o ceguinho, teve um destaque maior, pois apareceu outra vez, quase no fim do episódio, como se estivesse tentando nos dizer “Não estou aqui à toa”. A porca de Carl também não está amuada em um canto, com a respiração capenga, sem motivo, assim como Patrick (o Greg de Todo Mundo Odeia o Chris), que fecha o episódio de maneira satisfatória, com gostinho de “Preciso saber o que vai acontecer nessa por…”. Aliás, quando Patrick pediu para apertar a mão de Daryl, juro que fiquei esperando que ele apontasse para Carol e cochichasse: “Cara, ela tá tão na sua”.
Foi uma boa estreia, com momentos interessantes e uma guinada inicial consideravelmente calma. A existência de um novo perigo, uma doença, que fica explícita no desenlace, traz um sabor extra à trama. Zumbis são bons, mas é preciso incrementar para não cair na mesmice. É um risco que estão tomando, fugindo totalmente da linearidade e história dos quadrinhos e apostando em algo novo, que pode funcionar ou não. Mas, do modo como foi apresentado, acredito que funcionará e será um dos pontos altos da temporada.