No dia 25 de abril foi inaugurado no Japão uma exposição em comemoração ao encerramento do mangá Naruto. O evento contou com a distribuição de um livro exclusivo intitulado 雷の書 (Livro do Relâmpago, em tradução livre), com uma entrevista exclusiva entre Masashi Kishimoto, autor de Naruto e Eiichiro Oda.
Os dois mangakás falaram sobre suas influências, rotinas de trabalhos e o início de seus carreiras.
Há algum mangá que os influenciou?
Kishimoto: Eu diria que Toriyama-sensei foi uma grande influência. Claro que há Dragon Ball, mas eu realmente adorava Dr. Slump também. Além disso, fiquei cativado com Akira, de Katsuhiro Otomo.
Oda: A primeira vez que eu vi sua arte, achei que se parecia um pouco com o estilo de Otomo.
Kishimoto: Ah, é assim tão óbvio? (Risos)
Oda: Como mangaká, você meio que consegue ver por quais artistas alguém foi influenciado olhando sua arte ou o desenvolvimento de sua história.
Kishimoto: No meu caso, acho que fui consideravelmente influenciado por Dragon Ball na construção da minha história. Por exemplo, as partes que remetem àquele estilo de revista shonen que te anima enquanto você lê. Ou a parte em que Goku cresce e se torna um pai, eu pessoalmente gosto muito daquilo. Além disso, o balanceamento de preto e branco do Toriyama-sensei é soberbo, faz com que seja fácil observar seu traço, e ele sequer usa muito sombreamento. Eu acho realmente legal.
Oda: E mesmo olhando a arte de Toriyama-sensei daquela época, ela não parece datada porque seu senso de design é ótimo. Isso é mesmo incrível.
Além de outros mangakás, há mais alguém em particular que os influenciou?
Kishimoto: No meu caso, eu diria que vários animadores me influenciaram.
Oda: Sempre que Kishimoto e eu passamos um tempo juntos, ele menciona todos esses nomes dos quais jamais ouvi falar, me dizendo “esse animador é impressionante!” Você também indicou o animador de Naruto quando a adaptação para anime estava prestes a começar, não?
Kishimoto: Indiquei (risos).
Oda: Fora Kishimoto, que tem um vasto conhecimento sobre o processo de anime, não há outro mangaká que poderia ter feito isso.
Kishimoto: O animador que eu solicitei era alguém que havia ganhado prêmios no exterior, na França, eu acho. Na verdade, desde que eu comecei a carreira como mangaká, eu pensei em pedir para ele trabalhar em Naruto se a história fosse adaptada para anime. Claro que eu fiz isso porque gostava de sua arte, mas eu também achei que se alguém é ativo no exterior trabalhasse no mangá, talvez pessoas de todo o mundo iriam ler Naruto…
Oda: Então o sucesso internacional de Naruto foi pré-planejado.
Kishimoto: Bem, naquela época eu estava apenas pensando que seria legal se o mangá se tornasse um sucesso.
Oda: Se fosse agora, não seria tão estranho, mas naquela época você ainda era um novato em seu segundo ou terceiro ano de serialização. Geralmente não se pensaria tanto assim no processo.
É incrível que você realmente tenha conseguido realizar este sonho. Mas e quanto a você, Oda-sensei, você foi influenciado por alguém?
Oda: Pensando nisso, eu diria Hayao Miyazaki, que é um animador e também mangaká.
Kishimoto: Mas vocês dois são bem originais. Não sinto que você foi influenciado por ninguém em particular.
Oda: Isso é provavelmente porque eu fui um garoto mediano que lia vários mangás diferentes. Olhando para trás, eu diria que isso foi realmente algo positivo. Além disso, também tive sorte na minha geração. Considerando que eu pude desfrutar ler a Jump em sua Era de Ouro.
Kishimoto: Exatamente! Nós estávamos bem no meio daquela era. Como você comprava a Jump toda semana, você lia em tempo real a cada semana e coisas como “é assim que se cria uma história interessante” ou “é assim que se desenvolve tramas emocionantes” e assim por diante. Tudo isso fica profundamente arraigado em você. Ler tudo de uma vez nos volumes dos mangás é diferente.
Oda: Nossa geração se orgulha em ter aproveitado o melhor da Jump, certo? (risos)
Kishimoto-san, você poderia dizer qual personagem ou história de One Piece você gosta?
Kishimoto: Ok, não estou dizendo isso só porque Oda está aqui na minha frente, mas eu gosto de tudo! (risos) Mas estou bastante interessado nas habilidades da Bane Bane no Mi de Bellamy e a personalidade dele é bem interessante também. Mas eu tenho que dizer que é a história do passado de Chopper! Coisas como a primeira vez em que ele se encontrou com Hiluluk ou a neve de cerejeira caindo quando ele parte da ilha, isso realmente te impacta!
Oda: Fico feliz em ouvir isso.
Kishimoto: Embora eu goste dele, ele também é assustador! Digo, de quantas maneiras ele não possui mais “poder” que o Luffy? É por isso que eu acho que Chopper poderia ser o verdadeiro “cara” (risos).
Uma teoria sobre Chopper ser “o cara”? (risos) O que te faz pensar nisso?
Kishimoto: Hmm, não tenho certeza. Luffy é o personagem principal e é mais amado do que qualquer um, mas ainda sim temos o Chopper! Realmente acho que ele criou um tipo de efeito sinérgico. Ele tem essa “presença” e emana esse “humor” e ele na verdade tem um papel chave na tripulação. Tipo, Chopper é fofo, mas na verdade ele é um monstro.
Oda: Chopper secretamente planeja feitos malignos, espera, para de mentir! (risos) Um detalhe de bastidores, Chopper foi um personagem nascido no desespero. Originalmente, eu o tinha planejado como uma rena bípede, alta e esguia, mas Luffy, Zoro, Sanji [Nami e Usopp] eram populares demais e não consegui encontrar um lugar para Chopper. Achei que se tivesse seguido com aquele design, ele teria sido esnobado em detrimento dos outros personagens, então eu o fiz mais baixo.
Kishimoto: E foi assim que o personagem foi criado. Mas é serio, eu tenho inveja do Chopper!
Oda: Você sempre diz isso. (risos)
Kishimoto: Na verdade, eu sempre pensei em fazer um personagem mascote, então eu criei aquele girino rosa uma vez. Eu até o desenhei algumas vezes em volumes do mangá e capas da Jump, mas ele simplesmente não cativou as pessoas.
Oda: (Risos) Mas muitas coisas inesperadas acontecem durante uma serialização, certo? Para mim, Chopper é um exemplo disso.
É frequente a história se desenvolver de maneira diferente do que vocês planejaram no início?
Oda: Bem, sim, é claro. Tipo, há uma trama na qual você pensou sozinho quando ainda era um amador aos 20 anos de idade, então é claro que você pensaria em algo melhor agora.
Kishimoto: Sim, é exatamente isso.
Oda: E você fica meio “Não vou perder para o Oda de antes”.
Kishimoto: Porque você adquiriu mais experiência.
Ainda neste assunto, há alguma coisa que é particularmente difícil de desenhar?
Kishimoto: Eu diria que não sou muito bom em desenhar mulheres. Mas você desenha qualquer coisa, né?
Oda: Qualquer coisa.
Kishimoto: Bem, eu também, eu não diria que é difícil, mas eu diria que provavelmente não sou muito bom em desenhar coisas quando estou sob pressão do prazo de entrega e tenho pouco tempo. Uma vez que não estou “no clima”, já que levo muito tempo pensando no que desenhar.
Oda: Certo, você só quer desenhar a arte que tem vontade, certo?
Kishimoto: Você está desenhando porque gosta.
Oda: Exatamente, as pessoas acham que desenhamos porque é nosso trabalho estão redondamente enganadas! (risos) Na verdade, é quase uma extensão do nosso hobby. Coisas que não nos interessam, simplesmente não queremos desenhar (risos).
E o novo mangá de Kishimoto-sensei finalmente estreará na edição de 27 de abril da Weekly Shonen Jump.
Oda: Quantas semanas esta série irá durar?
Kishimoto: Hmmm, quem sabe…
Oda: Tem certeza de que não está subestimando a obra?
Kishimoto: O quê? É claro que não (risos)
Oda: Bem, não quis dizer isso, mas tem certeza de que você e sua equipe não estão subestimando um pouco o mangá por talvez estarem pensando que uma série curta seria melhor após uma publicação de 15 anos.
Kishimoto: Não sei.
Oda: É bem diferente do que ter que desenhar toda semana, como eu faço.
Kishimoto: É verdade, já faz um tempo que parei com as publicações semanais, então é possível que meus sentidos estejam um pouco lerdos.
Oda: E ainda por cima, a história principal de Naruto terminou e este é um novo mangá. Todos estão esperando muito de você, então definitivamente você não pode dar mole.
Kishimoto: Sim, você está certo.
Oda: Acho que no começo você vai sentir bastante os efeitos de ter parado para descansar.
Kishimoto: Porque como um mangaká, mesmo que você descanse por um só dia, é mais difícil retomar o trabalho depois.
Oda: Tipo, quando você sai de férias no Ano Novo e fica mais devagar.
Kishimoto: Sei exatamente o que você quer dizer (risos). Você sente que não consegue desenhar mais tão bem e a quantidade de vezes que você usa a borracha aumenta.
Oda: Quando os rascunhos que você costumava fazer de uma tacada só não fluem como você achava que fluiriam e você fica, “Ué, o que aconteceu?” É estranho, mas quanto mais ocupado você está, melhor você fica (risos). Humanos estão em seu melhor quando estão completamente imersos em algo.
Durante sua serialização, em qual ocasião você mais se viu em apuros?
Kishimoto: Ah, seria a vez em que escorreguei da mesa.
Oda: Ah, você estava muito fora de forma, então foi realmente duro, ein? (risos)
Kishimoto: Foi quando eu estava desenhando a luta com Kakuzu, naquela época meus pulmões não estavam muito bem também. Sempre que eu ficava um pouco cansado, ofegava como se estivesse com pneumonia. Quando eu tossia, minha região lombar doía. Foi bem difícil. No final das contas, eles tiveram que publicar a versão a lápis do capítulo na Jump. Além disso, eu também caí das escadas e coisas assim.
Oda: Sério?
Kishimoto: Sim, há uns 3 anos atrás? Quando eu fui para um onsen com minha família, eu não estava prestando atenção e cai do topo de uma escada de pedra.
Oda: Que perigo!
Foi porque você estava pensando em uma história?
Kishimoto: Não, eu estava só cansado.
Oda: Você não pensaria em uma história enquanto desce as escadas (risos).
Kishimoto: Não me machuquei muito, mas realmente achei que morreria na hora da queda (risos).
Oda: Se você tivesse morrido, teria se tornado uma lenda, não tenho dúvidas disso.
Kishimoto: Mas eu não quero me tornar uma lenda (risos).
Oda: É, nem eu; não estou interessado em me tornar uma lenda! No momento em que estaria para morrer, você provavelmente pensaria em algo como, “Se eu morresse dessa maneira, me tornaria uma lenda, mas o que fiz da minha vida, afinal?” Eu não gostaria de ser reconhecido postumamente.
Kishimoto: Como Van Gogh, que foi reconhecido pelas gerações posteriores. Eu quero que as pessoas me reconheçam pela minha obra agora, enquanto ainda estou vivo (risos).
Esta entrevista especial não faz parte do bate-papo de mais de quatro horas entre os dois autores que fará parte do próximo guia oficial de Naruto, o qual deve ser publicado em meados de maio.